Câmara de Santos aprova Dia da Memória do Navio-Presídio Raul Soares, símbolo da ditadura militar
07/12/2025
(Foto: Reprodução) Câmara de Santos (SP) aprova Dia da Memória do Navio-Presídio Raul Soares, usado como cárcere no Canal do Porto durante a ditadura militar.
Acervo A Tribuna
A Câmara de Santos, no litoral de São Paulo, aprovou o Projeto de Lei (PL) 343/2025, que inclui no Calendário Oficial o Dia da Memória do Navio-Presídio Raul Soares, a ser celebrado em 24 de abril. A proposta, de autoria da vereadora Débora Camilo (PSOL), acrescenta a data à Lei nº 3.265/2016 e agora segue para sanção do prefeito Rogério Santos (Republicanos).
O objetivo da posposta é reforçar a memória da embarcação utilizada como navio-prisão em 1964, durante a ditadura militar, onde sindicalistas, militares e outros presos políticos foram detidos e torturados após o golpe.
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"O dia 24 de abril deu início a um capítulo que, embora extremamente duro, principalmente para as vítimas do cárcere injusto e seus familiares, deve ser marcado na História Santista, com a consagração de um dia no Calendário Oficial de Eventos e Datas Comemorativas do Município de Santos", apontou a vereadora.
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O Navio-Presídio
Segundo a vereadora Débora Camilo, o Raul Soares se tornou um dos símbolos mais marcantes da ditadura militar em Santos. No dia 24 de abril de 1964, 24 dias após o golpe, a embarcação, já deteriorada, chegou ao Canal do Porto, rebocada do Rio de Janeiro.
Construído em 1900 na Alemanha e adquirido pelo Lloyd Brasileiro em 1925, o navio estava prestes a ser descartado quando foi requisitado pelo Ministro da Marinha. Assim, voltou a exercer a mesma função que teve no Levante Comunista de 1935: de navio-prisão.
De acordo com o Memorial da Resistência, porões alagados foram transformados em celas, e o antigo calabouço virou espaço de tortura. Em todo o país, navios foram adaptados para abrigar detidos arbitrariamente.
Presos políticos dentro do Navio-Presídio Raul Soares, no Porto de Santos (SP).
Acervo A Tribuna
Em Santos, foram levados ao Raul Soares principalmente sindicalistas da cidade — então um polo de mobilização trabalhista — e militares que resistiram ao golpe. O aparato funcionou por cerca de seis meses, até novembro de 1964, quando parte dos presos foi transferida e outros libertados. Depois disso, o navio foi desmontado.
“Não é exagero dizer que naquele fétido navio foi instalado um verdadeiro centro de interrogatórios, repressão e tortura nos primeiros meses do regime de exceção. A escolha de um navio, acreditamos, não foi ao acaso. Tinha também o intuito de ser um símbolo numa cidade portuária”, afirmou a vereadora.
Conforme explica a proposta de Débora, não há registro oficial do total de detidos no período, mas estimativas apontam cerca de 150 pessoas, embora o total possa ter sido maior.
A falta de documentação, segundo o Memorial da Resistência, foi uma estratégia deliberada do regime para ocultar violações e impedir a responsabilização pelos abusos cometidos no Raul Soares.
MPF pede reparação
Em 2024, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) solicitaram à Autoridade Portuária de Santos, uma reparação pelos danos causados a trabalhadores portuários perseguidos e torturados durante a ditadura militar no cais santista.
Em uma reunião realizada em novembro do mesmo ano, pesquisadores, vítimas e representantes da categoria apresentaram reivindicações e contribuíram para definir os pedidos formais de reparação. Saiba mais:
MPF e MPT têm reunião com vítimas da ditadura no Porto de Santos para definir pedido de reparação
MPF pede reparação para portuários perseguidos na ditadura militar
Segundo o MPF, profissionais que desobedeciam às ordens do regime eram levados a um setor reservado e submetidos a agressões físicas e psicológicas. O MPT aponta que a antiga Companhia Docas de Santos (CDS), sucedida pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), estruturou um sistema de vigilância e repressão interna após o golpe de 1964.
O MPF também informou ter produzido um inquérito em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O material reúne milhares de documentos e diversos depoimentos que evidenciam o estreito vínculo da administração portuária com órgãos do regime militar entre 1964 e 1985.
Sindicato é interditado pelos militares em 1964 (à esq) e manifestantes protestavam em frente ao prédio da Codesp (à dir)
Arquivo/A Tribuna Jornal
Moradores da Baixada Santista contam histórias do navio Raul Soares
Moradores da região contam histórias do navio Raul Soares na época da ditadura
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