Como escola pública de Cubatão deixou rotina de drogas e violência e se tornou uma das 'melhores do mundo'

  • 11/12/2025
(Foto: Reprodução)
Escola estadual de Cubatão (SP) ganha reconhecimento mundial O professor de História Régis Marques ouviu falar pela primeira vez na Escola Estadual Parque dos Sonhos quando recebeu um telefonema, em 2016, da Diretoria de Ensino de Santos. Era um convite para ele assumir a direção da unidade, que fica em Cubatão, litoral paulista. "Fui pesquisar na internet sobre a escola, e a primeira notícia que vi foi que a comunidade onde a escola está inserida sofria de insegurança por conta da violência. A segunda reportagem, que haviam entrado e furtado a escola", conta o diretor. "E aí tinha um terceiro texto que falava que, em uma festa junina, pessoas do tráfico entraram na escola e fizeram algazarra na festa." ✅ Clique aqui para seguir o novo canal do g1 Santos no WhatsApp. Diante das manchetes, ele hesitou. "Pensei: 'Meu Deus, será que eu vou para essa escola mesmo?'". A má fama da escola era tanta que a Parque dos Sonhos ganhou o apelido de Parque dos Pesadelos. Mesmo assim, Régis aceitou o desafio. Nove anos depois, a escola pública, que vivia enfrentando invasões, furtos e episódios de violência, ganhou um prêmio internacional com o reconhecimento do trabalho feito para mudar essa realidade. A Parque dos Sonhos venceu na categoria "Superação de Adversidades". Em 15 de novembro, o diretor foi a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, para a cerimônia do Prêmio Melhor Escola do Mundo 2025 (World's Best School Prize), realizado pela organização britância T4 Education. A escola Parque dos Sonhos fica no Jardim Real, antigo Bolsão 9 — um bairro criado para reassentar famílias que viviam em áreas de risco e que foram removidas da Serra do Mar em 2013. Escola apostou em projetos extracurriculares e se inspirou em modelo cubano. Adrielson Gilmars/Educação SP De vandalismo à excelência: escola de Cubatão ganha reconhecimento mundial Escola estadual de SP vence prêmio de melhor do mundo e vira referência Ao redor da escola, que passou a funcionar em 2014 para atender as crianças da nova comunidade, não havia muita estrutura: uma mata, um rio e poucas casas. Por ser uma área isolada, no "fundo do bairro", era comum que pessoas externas à comunidade escolar invadissem e usassem o espaço para consumo de drogas. "Era comum a gente chegar, ter pinos de cocaína, camisinha usada, roupa usada, lençol, garrafa de bebida, essas coisas", relata o diretor. "No segundo dia como diretor, minha sala foi apedrejada." No início de 2016, a escola tinha apenas 116 alunos matriculados, um número pequeno para a capacidade do prédio. "Metade dos alunos tinha pedido transferência, porque não queria estudar aqui, por conta da violência, por conta das agressões. Por conta dos frutos das invasões. E aí fiquei sabendo que a escola era conhecida como Parque dos Pesadelos ou o Parque do Terror." Régis traçou então a meta ambiciosa de transformar uma das escolas mais vulneráveis da região na melhor escola do Estado em cinco anos. Régis Marques é diretor da escola desde 2016 Adrielson Gilmars/Educação SP A transformação da Parque dos Sonhos A professora de Português Maria de Lourdes Amorim, que leciona já há 32 anos, duvidou da promessa. "Imagina, um rapaz vindo de São Paulo falando de um grupo de professores com mais idade do que ele, com mais experiência na educação? Olhamos para ele e falamos: 'Tá louco?'", lembra a professora. O primeiro passo foi reconstruir o básico: muros, pisos, móveis. Sem verba suficiente para lidar com a maioria de seus problemas estruturais, a escola pediu o apoio de empresas privadas. Enviaram 135 ofícios pelo correio. Conseguiram arrecadar R$ 100 mil. Para se aproximar do bairro, a diretoria e os professores criaram cursinhos preparatórios para vestibular e concursos e abriram a escola para a comunidade aos finais de semana. Ana Gabriela Lima, moradora do bairro, viu a escola nascer. Seu filho mais velho fez parte da primeira turma e ela, da primeira equipe de voluntários. "A escola precisava desse apoio. Então, convoquei algumas mães para me ajudar. A gente vinha, limpava a escola, ia para cozinha, ajudava no que os professores pediam", conta ela, que hoje trabalha na escola como cuidadora de alunos com deficiência. A escola, que funciona em período integral, expandiu seu currículo para além do currículo tradicional. Hoje, são 23 projetos que variam culinária a práticas esportivas pouco comuns na rede pública, como badmínton e patinação artística. "Ao mesmo tempo, começamos um trabalho de ouvir os alunos, de ter um olhar mais humanizado, de ter um olhar realmente voltado para eles", explica Régis. Para os estudantes, essa diversidade de práticas mudou a relação com o espaço escolar e o regime de estudo em tempo integral. "No início eu achava que era só sala de aula, então eu não gostava muito", conta Ester Silva, de 12 anos e que há 7 estuda na Parque dos Sonhos. "Só que aí a escola foi tendo novos projetos e hoje em dia é muito legal, porque a gente não fica só dentro da sala de aula." A estudante encontrou seu lugar nas aulas de teatro, que ocorrem nas últimas aulas do dia. Professores vão até a casa de alunos que tem mais dificuldades de aprendizado ou questão de indisciplina Adrielson Gilmars/Educação SP Inspiração em modelo cubano Para o diretor, o projeto mais transformador veio inspirado em um modelo cubano de educação: visitar as famílias em suas residências. Batizado de "A escola vai à sua casa", o projeto identifica alunos com problemas de frequência ou indisciplina e marca um encontro com os responsáveis aos finais de semana. É um jeito de compreender a vida dos alunos para além dos muros da escola, considerando que muitos atravessam condições precárias para chegar à sala de aula. "É uma forma de se colocar no lugar do aluno, ver a dificuldade que esse aluno tem e ver como é a casa desse aluno", diz Régis. "Tem muitas questões que os professores muitas vezes não veem." Os corredores da escola também contam uma história. Em cada porta das salas de aula da Parque dos Sonhos, há um grafite de um personagem histórico ligado à luta pelos direitos humanos. Figuras como o indiano Mahatma Gandhi, o sul-africano Nelson Mandela, a paquistanesa Malala Yousafzai, o uruguaio Pepe Mujica e os brasileiros Marielle Franco e Paulo Freire. Nomes que já foram alvo de críticas em um contexto de polarização política — entre elas do Escola Sem Partido, movimento que prega o fim da "doutrinação ideológica" nas escolas. As lideranças servem de inspiração para um dos pilares pedagógicos mais importantes da escola: a Semana da Não Violência. Realizada anualmente em outubro, o evento envolve rodas de conversa, estudos sobre ícones pacifistas e práticas de justiça restaurativa. Segundo o diretor, a proposta vai muito além de "ser bonzinho". "Não violência não é dar a outra face. Não violência é você questionar o sistema que te oprime", afirma Régis. O diretor afirma não temer críticas ideológicas e defende que a pauta da escola é a união. "Aqui é uma escola que a gente parte do princípio, não do que nos diferencia, não de tudo o que nos afasta e sim o que nos une. Escuto todos, seja de direita, de esquerda, de centro, de extrema-direita, de extrema-esquerda." Anúncio do prêmio foi comemorado pelos alunos. Adrielson Gilmars/Educação SP A melhor do mundo? As notícias de que a escola era finalista do Prêmio Melhor Escola do Mundo 2025 e, depois, que havia sido uma das vencedoras foram recebidas em setembro com euforia pelos alunos na quadra da escola. "Foi muito emotivo. Tinha gente chorando. Eu mesmo fiquei muito emocionada quando a gente descobriu ainda que estava em top um. Deu vontade de chorar", conta Ester, aluna do 7º ano. A transformação que fez a escola ser agora reconhecida internacionalmente também impactou nos resultados acadêmicos. Em uma década, a escola saiu de um resultado de 2,2 no Idesp (indicador que avalia a qualidade das escolas no estado de São Paulo) para 4,6. Embora seja uma nota que ainda não coloca a Parque dos Sonhos como a primeira do ranking estadual em números absolutos, como era a meta do diretor, é um salto que representa uma evolução de quase 100% no aprendizado. Para os professores, porém, os números contam apenas uma parte da história. O sucesso é medido, muitas vezes, em vidas salvas e futuros resgatados. "A nossa escola evoluiu. O Estado pede números, porque é com o que se trabalha. Mas para nós o importante é como está o nosso aluno hoje, como estará o nosso aluno amanhã", reflete a professora Maria de Lourdes. O diretor reforça que a escola se tornou um porto seguro de proteção social. "Tivemos quatro casos em que as meninas, na aula de tutoria, falaram que estavam sendo abusadas. Conseguir fazer com que uma menina consiga expor um problema na casa dela é muito importante. A escola tem que ser esse lugar onde as crianças se sintam seguras", diz Régis. "O que emociona em ver em todo esse processo é como a escola pode ser ponto de transformação." O diretor reconhece que nem tudo é perfeito e que a escola ainda tem pontos em que pode melhorar. Mas olha para trás para enxergar quão longe chegou, e diz que o futuro promete uma expansão ainda maior com a fusão com a escola vizinha. "Imagina uma escola que em 2016 estava para fechar porque não tinha aluno e vai começar 2026 com 1,2 mil alunos. É emocionante."

FONTE: https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2025/12/11/como-escola-publica-de-cubatao-deixou-rotina-de-drogas-e-violencia-e-se-tornou-uma-das-melhores-do-mundo.ghtml


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