PCC tinha planos para matar ex-delegado, investigadores e promotores desde o início de 2000
16/09/2025
(Foto: Reprodução) Ruy Ferraz Fontes foi executado a tiros em Praia Grande, SP
Prefeitura de Praia Grande e Reprodução
O Primeiro Comando da Capital (PCC) tinha planos para matar Ruy Ferraz Fontes, investigadores e promotores desde o início dos anos 2000, quando o então delegado, outros policiais e representantes do Ministério Público (MP) e da Justiça passaram a prender as lideranças da facção criminosa em São Paulo.
A partir de 2002, momento em que esses presos foram transferidos para presídios de segurança máxima no estado, por determinação das autoridades, a cúpula do PCC passou a ameaçar quem a investigou e levou para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Entre eles, estava Ruy, que já era "jurado de morte" pela facção.
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As informações fazem parte de diversos relatórios do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco) do MP sobre a atuação do PCC ao longo dos anos. A equipe de reportagem teve acesso a esses documentos e dados.
Ruy foi executado a tiros por criminosos não identificados na segunda-feira (15) em Praia Grande, no litoral paulista. Ele tinha 64 anos e estava aposentado. Chegou a ser delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo entre 2019 a 2022, além de ter atuado em outros departamentos importantes na capital.
Uma das hipóteses investigadas pelas autoridades é a de que o ex-delegado foi assassinado pelo PCC por seu histórico de combate à facção, que comandava o tráfico de drogas no estado.
Outra é a de que Ruy possa ter sido emboscado e morto por desafetos em razão do seu trabalho como secretário da Administração em Praia Grande.
Delegado Ruy Ferraz Fontes é executado a tiros em Praia Grande, SP
Câmeras de segurança gravaram o ataque a Ruy (veja vídeo acima). Até a última atualização desta reportagem nenhum suspeito pelo crime foi preso ou identificado.
O PCC surgiu em 1993 na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, conhecida como Piranhão, no interior paulista. Em 2001, quando a facção promoveu uma megarebelião em 29 presídios paulistas, contra o que chamava de "opressão carcerária", o governo estadual reconheceu a existência do PCC.
Por esse motivo, foi criado o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) para prender e isolar os chefes da facção. Nesse sistema, iniciado em unidades prisionais do interior do estado, e depois expandido para outras unidades, o modelo prisional é mais rígido e repleto de regras, incluindo restrições de banho de sol, visitas íntimas e contatos com parentes e advogados.
'Terceira grande vingança'
Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, foi transferido para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP) em 2014
Arquivo/TV Fronteira
Entre os presos transferidos para o RDD estavam Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outras lideranças do PCC. Segundo o MP, muitas das ordens para executar policiais e outras autoridades partiram da cúpula da facção. Ruy ajudou a prender Marcola, por exemplo, por formação de quadrilha antes dos anos 2000.
Marcola foi condenado também por homicídios, tráfico de drogas e assaltos. Ele foi detido a primeira vez em 1986, mas fugiu nas vezes seguintes até ser detido novamente em 1999. Desde então segue preso.
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Segundo as autoridades, a morte de Ruy é considerada a "terceira grande vingança" do PCC contra as autoridades que combatem o PCC há anos.
A "primeira grande vingança" foi o assassinato do juiz-corregedor do presídios Antônio Machado Dias, em Presidente Prudente, interior paulista, em 2003. Ele era considerado "linha-dura" pela cúpula do PCC contra integrantes da quadrilha, determinando a ida deles para presídios de segurança máxima.
A "segunda grande vingança" da facção foi contra o diretor de presídios José Ismael Pedrosa, que trabalhava na Casa de Custódia de Taubaté, onde surgiu o PCC. Ele foi morto em 2005 por ter também uma postura rígida contra detentos no sistema prisional.
Ruy já escapou de criminosos
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Ruy chegou a escapar de alguns ataques criminosos contra ele nesse período. Isso ocorreu em 2010, quando era delegado do 69º Distrito Policial (DP), Teotônio Vilela, na Zona Leste de São Paulo. Naquela ocasião, o Gaeco descobriu um plano para matá-lo e o avisou.
Em 2012, quando era delegado em São Paulo, Ruy foi cercado por dois criminosos na Rodovia Anchieta, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Ele reagiu e atirou, baleando os bandidos. O caso foi tratado pela polícia como tentativa de assalto.
Em 2020, Ruy foi cercado por criminosos em São Paulo, onde reagiu e baleou um bandido, que fugiu. Esse caso também foi considerado uma tentativa de roubo.
Em 2022, ele foi novamente foi abordado por dois criminosos numa moto em São Paulo. Novamente, o caso foi tratado como tentativa de roubo.
Em 2023, de novo ele foi vítima de um criminoso, que apontou uma arma para ele quando estava com a esposa, em Praia Grande. Esse caso foi registrado como roubo.
Promotor é ameaçado
Ruy Ferraz já escapou de plano do PCC para matá-lo em 2010, diz Lincoln Gakiya
Segundo o promotor Lincoln Gakyia, Ruy "era o policial do país que mais entendia de PCC e trabalhou nessas investigações desde o início".
Ele estava jurado de morte pelo PCC desde 2006. O Ruy foi um dos responsáveis pela ideia de transferir todas as lideranças do PCC para um único presídio que era a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. O Ruy foi um dos idealizadores dessa ideia naquela época. Isso foi reconhecido como uma afronta ao crime organizado, e ele vinha ameaçado desde aquela época.
Assim como Ruy, ele também é jurado de morte pelo PCC por sua atuação contra a facção. Representante do Ministério Público, Lincoln passou a receber mais ameaças a partir de 2006, quando o Primeiro Comando da Capital divulgou um "salve" (ordens) para matarem autoridades e agentes de segurança pública.
À época, houve ataque do PCC e revide das forças de seguranças, culminando numa onda de violência e mortes no estado de São Paulo, que ficou conhecida como "crimes de maio".